sábado, 24 de outubro de 2009

Sobre a realidade jornalística

Há uma abordagem à questão da liberdade de expressão que me inquieta. É a que a defende como valor acima de tudo, desvalorizando as suas consequências e a ética dos seus profissionais. Obviamente não está aqui em causa a diversidade de opinião e ângulos, incluindo todas as divergências e o espaço para a sacrossanta cretinice.

A realidade, do ponto de vista jornalístico, político, social, é aquilo que é notícia - o que os profissionais do jornalismo publicam. Para dar um exemplo entre tantos possíveis: alguém sabe quais foram os nomes sondados para ocupar a pasta do Ministério do Ambiente? Sabem os próprios, mas isso não foi notícia, pelo que não pode ser julgado pela população. Tecnicamente, não faz parte daquilo a que convencionamos chamar de realidade.

Aquilo que achamos que é a realidade é extremamente importante. Gosto de pensar no processo de governação como uma cadeia fechada de controlo: O Governo e o parlamento legislam [o processo], há consequências espelhadas pela tal realidade observada [a monitorização], o povo vota [o controlo] e com base nas eleições temos novo parlamento e governo. A monitorização da realidade é um elo fundamental desta cadeia que dá pelo nome de Democracia.



Surge aqui um drama relevante quanto à qualidade de todo o processo de comunicação para as massas. Os níveis de analfabetismo funcional são preocupantes, 48% em 2003 (segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o próprio acesso à comunicação e a nichos de ângulo jornalístico são obstáculos de peso, o ruído, ... Será que fazia falta haver jornalistas que veículam, com dolo, por incompetência ou cedência a pressões, informações falsas?

É preciso compreender os mecanismos de comunicação, segundo os quais os profissionais da comunicação social podem manipular o que dizem para fazer chegar determinada mensagem, sem efectivamente o explicitar. Uma espécie de 'com a verdade me enganas'.

Se eu disser que o político x é alegadamente corrupto, e que como sou jornalista tenho o direito de ocultar a minha fonte de informação, estou precisamente a expor o político x à acusação que refiro. As palavras-chave que saltam à esmagadora maioria dos leitores são 'politico x' e 'corrupto'. Se, como fez a TVI, mostrar uma imagem esbatida de um grupo de homens com um som rufenho e puser umas legendas onde alguém oferece um suborno para aprovação de um centro comercial e relacionar isso com o primeiro-ministro, o que passa para o público é uma revelação bombástica. Os profissionais que o fizeram, obviamente estão cientes disso. Considero este tipo de actuação absolutamente nojenta.

Nos Estados Unidos, a Fox tem o mesmo tipo de postura perante Barack Obama. Alimentada por Republicanos social-conservadores de direita, a estação traveste pela mesma técnica especulações sobre Obama, passando-os como factos. E Obama, que não é trouxa, já retaliou, seguindo aliás as recomendações do seu homólogo português.


Confunde-se muito a defesa da liberdade de expressão com a da ilegítima expressão jornalística, segundo os canones da sua técnica, e isso dói à Democracia.

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